O PRAZO PRESCRICIONAL PARA A AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE TRIBUTOS
Considerações à luz da Lei Complementar n º 118/2005

Sumário

1. INTRODUÇÃO

A Lei Complementar 118/2005, que alterou alguns dispositivos do Código Tributário Nacional, trouxe modificações intimamente ligadas com a aprovação da Nova Lei de Falências (Lei no 11.101/2005), também chamada de Lei de Recuperação de Empresas, cujos mandamentos entrarão em vigor em 09.06.2005.

Embora o objetivo principal da LC nº118/2005 seja adaptar o CTN ao novo Estatuto Falimentar, o legislador aproveitou a oportunidade para fazer outras alterações.

O presente texto visa comentar o art. 3º da referida lei, que trata do novo prazo para a restituição de tributos.

Inicialmente transcrevemos o dispositivo, in verbis:

"Art. 3o Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei."

2. PRAZO ANTERIOR

O art. 3 º desta Lei, é visto por muitos como uma manobra do governo para driblar o contribuinte. Este dispositivo, cuja finalidade é interpretar o artigo 168, inciso I, do CTN, trata do prazo para a extinção do crédito tributário.

Vejamos então o art. 168, I, do Código Tributário Nacional, in verbis:

Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:

I - nas hipótese dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário;

Nas hipóteses dos incisos I e II do art. 165 do CTN acima mencionadas, o direito de pedir a restituição caduca em cinco anos a contar da data de extinção, por qualquer forma, do crédito tributário.

Note-se, contudo, uma peculiaridade, decorrente do próprio sistema do CTN. Nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, a extinção do crédito tributário ocorre pela homologação, expressa ou tácita, do pagamento. E o prazo para homologar é de cinco anos a contar do fato gerador, conforme disposto no art. 150, § 4º do CTN:

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

(...)

§ 4º Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.'

Como a Fazenda Pública nunca homologa expressamente, considera-se extinto o crédito tributário cinco anos após ocorrido o seu fato gerador (homologação tácita).

Assim sendo, o prazo de cinco anos para exercer o direito de pedir a restituição tem como termo inicial, justamente o dia em que a Fazenda Pública homologar o crédito a ser restituído.

No ano de 1994, instaurou-se controvérsia no Superior Tribunal de Justiça acerca do termo inicial do prazo para a repetição do indébito no caso de "homologação tácita" do pagamento do tributo.

Antes, aplicava o prazo simples de cinco anos, contado do pagamento indevido, conforme entendimento do STJ, no caso abaixo:

O direito à restituição do tributo se extingue em cinco (5) anos, contados do indevido pagamento, ou, segundo definição legal, da extinção do crédito tributário (C.T.N. artigo 168, I)". (REsp 44.265/RS, Rel. Min. DEMÓCRITO REINALDO, 1ª Turma, j. 08.06.1994, DJ 27.06.1994)

Mas a 2ª Turma passou a aplicar o prazo de dez anos, a partir do caso a seguir, cujo entendimento tornou-se uma espécie de Lei para todos os Tribunais e instâncias inferiores:

O tributo, a que se denominou empréstimo compulsório, está sujeito a lançamento por homologação, não se podendo falar antes desta em crédito tributário e pagamento que o extingue. Não tendo ocorrido homologação expressa, a decadência do direito de pleitear a restituição só ocorrerá após o transcurso do prazo de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, acrescido de mais cinco anos, contados daquela data em que se deu a homologação tácita...(REsp 44.221/PR, Rel. Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, 2ª Turma, j. 04.05.1994, DJ 23.05.1994. Ementa com a redação retificada por embargos de declaração julgados em 31.08.1994, DJ 19.09.1994)

Seguindo este raciocínio o STJ consagrou o que é chamado pela doutrina da Tese dos "cinco mais cinco", conforme Acórdão que julgou embargos de divergência no Tribunal:

TRIBUTÁRIO - EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO - CONSUMO DE COMBUSTÍVEL - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - DECADÊNCIA - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA.

- O tributo arrecadado a título de empréstimo compulsório sobre o consumo de combustíveis é daqueles sujeitos a lançamento por homologação. Em não havendo tal homologação, faz-se impossível cogitar em extinção do credito tributário.

À falta de homologação, a decadência do direito de repetir o indébito tributário somente ocorre, decorridos cinco anos, desde a ocorrência do fato gerador, acrescidos de outros cinco anos, contados do termo final do prazo deferido ao fisco, para apuração do tributo devido." (EREsp 42.720/RS, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, 1ª Seção, j. 14.03.1995, DJ 17.04.1995)

Assim, até a publicação da Lei Complementar nº 118/2005, o STJ manteve-se firme no entendimento de que é de dez anos: cinco, a partir do fato gerador, para o fisco homologar (dizer se concorda ou não com o valor pago) e mais cinco, para a restituição (prazo para o contribuinte pedir a compensação ou devolução do que pagou a mais).

3. PRAZO ATUAL

Sendo uma norma interpretativa, o art. 3 º estabelece que:

"[...] interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei."

Nesse sentido, estabelece o art. 150, § 1 º do CTN:

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.

A partir disso, essa nova norma da Lei Complementar nº 118/2005 vem estabelecer que a interpretação a ser dada ao art. 168, I, do CTN, que se refere ao prazo prescricional da ação repetitória, é de que o próprio pagamento extingue o crédito tributário, sem qualquer condição resolutória ulterior.

Deste modo, o art. 3 º cortou o prazo à metade, contrariando a jurisprudência firmada há anos no STJ que previa ser o prazo de 10 anos.

4. A EFICÁCIA TEMPORAL DO DISPOSITIVO

O artigo 3º da LC já mencionada, fixa em 120 dias o prazo para a sua vigência, ou seja, 09.06.2005.

No entanto, o artigo 4º diz que a interpretação dos cinco anos deverá ser feita com base no artigo 106, inciso I, do CTN, que assim dispõe:

Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;

A pretensão do legislador era que os cinco anos fossem aplicados às ações impetradas nos 120 dias anteriores à vigência da lei.

Contudo, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça derrubou a intenção do Governo Federal de reduzir, desde a publicação da Lei Complementar, de dez para cinco anos o prazo para que empresas peçam a devolução de tributos pagos a maior.

Por unanimidade, os ministros decidiram que o novo prazo passa a valer somente em junho, quando entra em vigor a Lei Complementar nº118/2005, que adaptou o Código Tributário Nacional às regras da nova Lei de Falências.

Na decisão, os ministros entenderam que não cabe ao Executivo e ao Legislativo interpretar normas legais.

No entanto, esta foi uma derrota parcial, já que a decisão impediu a redução do prazo para cinco anos apenas aos pedidos apresentados até o dia 08.06.2005.

5. DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Confira abaixo transcrição de notícia sobre o posicionamento do STJ:

Primeira Seção define: cinco mais cinco vale até junho

Os ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiram: ajuizada a ação após 9 de junho de 2005, poderá ser aplicado o artigo 3º da Lei Complementar nº 118/2005 - o qual baixou de dez para cinco anos o prazo para ação de recuperação de indébito (devolução de valores pagos indevidamente) - aos fatos geradores ocorridos antes de sua aplicação. Com a decisão da Seção, fica valendo o prazo de "cinco mais cinco" até essa data.

Segundo explica o ministro Castro Meira, o prazo de cinco anos poderá ser contado a partir do pagamento indevido, e não da homologação expressa ou tácita, desde que a ação tenha sido proposta depois de 9 de junho de 2005 e mesmo que o pagamento antecipado pelo contribuinte tenha sido realizado antes da vigência da lei.

O entendimento do STJ

O relator do caso, ministro João Otávio de Noronha, manteve a jurisprudência do STJ, reconhecendo válido o prazo dos cinco mais cinco. Os ministros Peçanha Martins, José Delgado e Franciulli Netto o acompanharam. Votando em seguida, o ministro Teori Albino Zavascki levantou a questão de que se instaurasse um incidente de inconstitucionalidade em relação ao artigo 4º da LC 118. Esse dispositivo informa que a nova lei deve ser aplicada também a atos e fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor, e não somente nos casos posteriores ao seu ingresso no ordenamento jurídico nacional. Seu voto contou com a adesão do ministro Peçanha Martins, mas não dos demais ministros, que rejeitaram a pretensão.

Quanto ao prazo, o ministro Teori Albino Zavascki seguiu a posição do relator do recurso, ponderando que a Lei Complementar nº 118, que altera alguns dispositivos do Código Tributário Nacional, tem "evidente objetivo de modificar a jurisprudência firmada nos tribunais".

Baseado em extensa doutrina nacional e internacional, o ministro Luiz Fux, que interrompeu a discussão com um pedido de vista, ao levar o processo novamente a julgamento, manifestou o entendimento de que a lei complementar é interpretativa, ou seja, ela não cria direito novo, mas apenas explicita o modo como se deve interpretar lei preexistente. Em sua avaliação, por se tratar de norma interpretativa que não inova, a lei não pode retroagir ao tempo anterior à sua vigência e causar prejuízos aos contribuintes.

Para o ministro Fux, a lei complementar teve o objetivo de modificar a jurisprudência sobre o tema. "Camuflou-se a realidade em processo oblíquo cujo único objetivo, ao invés de verdadeiramente interpretar dispositivo legal que justificasse tal providência, foi o de anular, inclusive retroativamente, entendimento jurisprudencial que se mostrava benéfico aos contribuintes e prejudicial aos interesses do fisco". Ele entende que o artigo 3º da Lei Complementar nº 118 é inconstitucional. Ele sustenta que, ao tentar driblar a jurisprudência consolidada sobre o assunto, o dispositivo incorreu em "manifesto desvio de finalidade e abuso de poder legislativo, usurpando a competência do Poder Judiciário (...) em clara violação dos princípios da independência e harmonia dos poderes, segurança jurídica, irretroatividade, boa-fé, moralidade, isonomia e neutralidade da tributação para fins concorrenciais".

Novamente o julgamento foi interrompido, dessa vez pelo pedido de vista do ministro Castro Meira, sendo retomado na última sessão de julgamento, ocorrida no dia 26. Em seu voto, o ministro explica que o recurso questiona se a regra do artigo 3º da LC 118 tem ou não natureza interpretativa e se é possível dar ao artigo 4º da mesma lei interpretação conforme a Constituição ou se é necessário declará-lo inconstitucional, já que o efeito retroativo ali consignado é contrário aos princípios da segurança jurídica, da não-surpresa do contribuinte e da separação dos poderes.

O ministro lembra que, em março, a Primeira Seção definiu que a sistemática dos cinco mais cinco também se aplica em caso de tributo declarado inconstitucional pelo STF, passando, assim, a adotar-se critério único para a contagem do prazo prescricional dos tributos sujeitos à homologação, contando o prazo a partir do pagamento antecipado pelo contribuinte. Para ele, o artigo 3º da LC 118, em vez de encontrar fundamento de validade no artigo 106 do CTN (segundo o qual a lei tributária se aplica a ato ou fato passado em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados), acabou por contrariá-lo, já que desnecessária a interpretação de dispositivo de lei já exaustivamente analisado pelo Judiciário. Assim, seguiu o entendimento dos demais ministros.

A decisão foi unânime em relação ao prazo. Os ministros Teori Albino Zavascki e Peçanha Martins ficaram vencidos apenas no tocante ao incidente de inconstitucionalidade do artigo 4º da LC 118.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto nos itens anteriores, concluímos que o prazo dos "cinco mais "cinco" continuará sendo válido até a entrada em vigor da Lei complementar n º 118/2005, momento a partir do qual o prazo de cinco anos poderá ser contado a partir do pagamento indevido, e não da homologação expressa ou tácita.

Assim, para quem propuser a ação de restituição de tributos até 09.06.2005, o prazo será de 10 (dez) anos, enquanto para quem o fizer a partir desta data, o prazo será de 5 (cinco) anos.

Fundamentação legal : Código Tributário Nacional, Lei Complementar nº118/2005 e informações do Superior Tribunal de Justiça